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segunda-feira, 26 de julho de 2010

CHAMA POÉTICA "Vozes do Sul"










LEGADO - LINDOLF BELL

Deixarei por herança
não o poema
mas o corpo no poema
aberto aos quatro ventos

Pois todo poema
é verde e maduro,
em areia movediça
de angústia, solidão
Onde me debato
ainda que finja o contrário
em busca da verdade
e seu chão

Deixarei por herança
não o poema
Mas o corpo repartido
na viagem inconclusa

Pois todo o poema maduro
é um verde poema
E, mesmo acabado,
se estriba na inconclusão
Claro, sem esquecer,
o estratagema da paixão


Chega um momento

Chega um momento
em que somos aves na noite,
pura plumagem, dormindo de pé,
com a cabeça encolhida.
O que tanto zelamos
na fileira dos dias,
o que tanto brigamos
para guardar, de repente
não presta mais: jornais, retratos,
poemas, posteridade.
Minha bagagem
é a roupa do corpo.

Fabrício Carpinejar


ALEGRIA DE VIVER
Helena Kolody


Amo a vida.
Fascina-me o mistério de existir.

Quero viver a magia
de cada instante,
embriagar-me de alegria.

Que importa a nuvem no horizonte,
chuva de amanhã?
Hoje o sol inunda o meu dia.


LOUCURA LÚCIDA
Helena Kolody

Pairo, de súbito,
noutra dimensão

Alucina-me a poesia,
loucura lúcida.

CHAMA POÉTICA "Afrodite"






AGRADECENDO DOCES A STELLA LEONARDOS

Doces de açúcar e gemas
São teus versos, e teus doces
Sabem a poemas: não fosses
Toda doce em cada poema

Pouco e coco rimam, sim,
Mas quando o coco é seu coco,
Que, por mais que seja é pouco
(Pelo menos para mim!)

Não veio doce, mas veio
Verso seu, que me é tão doce
Como se doce ele fosse:
Mais que doce: doce e meio

Manuel Bandeira


NÃO COMEREI DA ALFACE A VERDE PÉTALA
Vinicius de Moraes

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: dêem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.


"DOIS E DOIS SÃO QUATRO"

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena

- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.

Ferreira Gullar 


CAÇAROLAS
Flora Figueiredo

Eu me preparo todo dia como se você fosse chegar:
Engomo a saia de fustão,
Aparo a sobrancelha,
Mantenho o decote sem botão,
Lixo a unha vermelha,
Varro o quintal,
Escovo o cão,
Podo a azaléia,
Tiro a colméia
Que se expande na quina do telhado,
Já querendo invadir a casa ao lado,
Ponho toucinho na panela de feijão.
Camisola de alça,
Lavanda no regaço,
Pedra falsa no pescoço,
Eu resisto à força do cansaço.
O que é que eu faço amanhã pro seu almoço?


PSICANÁLISE DO AÇÚCAR

O açúcar cristal, ou açúcar de usina,
mostra a mais instável das brancuras:
quem do Recife sabe direito o quanto,
e o pouco desse quanto, que ela dura.
Sabe o mínimo do pouco que o cristal
se estabiliza cristal sobre o açúcar,
por cima do fundo antigo, de mascavo,
do mascavo barrento que se incuba;
e sabe que tudo pode romper o mínimo
em que o cristal é capaz de censura:
pois o tal fundo mascavo logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.

Só os bangüês que ainda purgam ainda
o açúcar bruto com barro, de mistura;
a usina já não o purga: da infância,
não de depois de adulto, ela o educa;
em enfermarias, com vácuos e turbinas,
em mãos de metal de gente indústria,
a usina o leva a sublimar em cristal
o pardo do xarope: não o purga, cura.
Mas como a cana se cria ainda hoje,
em mãos de barro de gente agricultura,
o barrento da pré-infância logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.

João Cabral de Melo Neto

quinta-feira, 22 de julho de 2010

ARCA DE NOÉ - 23 de Julho - 15h00 Casa das Rosas









A Arca de Noé
Sete em cores, de repente
O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata.

O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata.

E abre-se a porta da arca
Lentamente surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca.

Vendo ao longe aquela serra
E as planícies tão verdinhas
Diz Noé: que boa terra
Pra plantar as minhas vinhas.

ALEGRIA DE SER - 24 de Julho às 15h00 - Museu da Língua Portuguesa




Desafio orquestral...

Versos que eu faço
São sem espinhos:
Para crianças
E passarinhos.

Destes persigo
A competência,
Quero daquelas
Graça e indulgência.

Que perto deles
Logo te ancores:
Não são proibidos
Para maiores...

Que neles haja
Sabor de cantos
E em todos cause
Prazer e encantos.

Que eu faço versos
Mas sem espinhos,
Com partituras
Pros passarinhos...


Antônio Lázaro de Almeida Prado




O MUDO FALANTE

O ar, o sol, o sal, a salamandra
O giro, o risco, o vértice, a vertigem
E a dança, o salto, a chama, a chispa, o
Enxame, o rodopiar, o saltimbanco

O lance, o tremular, a chama e centelha,
A queda, a propulsão e o tresloucado
Vórtice. Evoé! alma... Evoé! corpo!
Juntos à roda do leste círculo...

Que o canto só desponte no mutável
Jamais horizontal, sempre ondulante
E suba e desça, e gire, rodopiante
E faça circulante a quadratura.

A ciranda da mente, o sagacíssimo
Elã de fulgurantes emoções
E o ritmo do rapto, corretivo
À tarda tartaruga dos instantes.

Evoé! corpo, evoé! alma, falésias, evoé!
E vamos para a audácia, para o salto
Triplo do vórtice, em girândola.

O ar, o mar, o sol, a salamandra
Incendiada, para além, para além
Jamais parando, num rapto que faz o vento
Semelhante a trôpega serpente claudicante.

O ar, o sal, o sol, a salamandra...

Antônio Lázaro de Almeida Prado


IL MUTO PARLANTE

L’aria, il sole, il sale, la salamandra
Il giro, il graffio, il vertice, la vertigine
E la danza, il salto, la fiamma, la scintilla
Lo sciame, il volteggiarsi, il saltimbanco

Il lancio, lo svolazzare, fiamma e barlume
La caduta, la propulsione e l’ammattito
Vortice. Evoè! anima… Evoè! corpo!
Insieme alla ruota del lesto cerchio …

Che il canto spunti solo nel mutevole
Mai orizzontale, sempre ondulante
E salga e scenda, e giri, svolazzante
E faccia circonferire la quadratura.

Il canto della mente, il sagacissimo
Impeto di folgoranti emozioni
E il ritmo del ratto, correttivo
Alla temporeggiante tartaruga degli instanti.

Evoè! corpo, evoè! anima, falesie, evoè!
E andiamo verso l’audacia, verso il salto
Triplice del vortice, in girandole.

L’aria, il mare, il sole, la salamandra
Bruciante, oltre, ben oltre
Mai ferma, in un ratto che fa il vento
Assomigliare all’inciampante serpente zoppo.

L’aria, il sale, il sole, la salamandra …


Transliteração com muito carinho e admiração por Francesca Cricelli
São Paulo 23 de Julho 2010



O VALOR DA VIDA...

Tudo o que é da vida tem valor e brilho:
A Rosa eficaz, o trigo ou o milho,
A chama do amor, forte, inextinguível,
O tempo que passa, a hora futura,
O sopro, a fumaça, a fruta madura,
Tudo, só quem ama, faz tornar possível.
Todo o bem da vida sobrepassa a usura,
Torna o amor terreno uma coisa pura,
Boa de viver-se, coisa tão preciosa
Como o amor-perfeito e o sabor da Rosa.
E o melhor da vida é que não tem preço
É um bem gratuito, digno de apreço.
Tudo o que é da vida, para nossa sorte,
Vive além do tempo e cancela a morte,
Cabe num sorriso, breve, da criança
Qual matriz perene, base da Esperança,
E, num zig-zag, todo o céu se inflama,
Que o mundo vale só para quem ama...


Assis, 1º de julho de 2009
Antônio Lázaro de Almeida Prado






SE ARTE, REPARTE

Com outros reparta o sol
A sombra (fatal parceira)
Com fúria de enredadeira
Empalidece o arrebol.

Com outros comungue a vida
O acre da amarga vinha
Deixe à escolha (iludida)
Da inveja, louca e mesquinha.

Com outros prove do vinho,
Generoso, do viver
E faça do seu vizinho
Parceiro do ser e ter.

Beba com outros a pura
Límpida linfa da vida
Que mais se adoça e se apura
Quanto mais for dividida.

Com outros beba alegria
Prove a ventura do trigo
Prove o bem da companhia
Faça de tudo um amigo.

No exercício do amor
Condivida o seu prazer;
Repartida, a própria dor
É mais fácil de viver.

Com outros reparta o sol
Com outros componha a vida
Se amarga, a vida de um só
Doce, a vida repartida.

Antônio Lázaro de Almeida Prado