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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Memórias da Noite Paulistana


O POBREMA DA HABITAÇÃO
Paulo Vanzolini

Eu vivia satisfeito
no meu qualto de porão.
Um dia encontrei Jesuino:
- Como vai, nego canaia? -
- Nego não, hein, eu sô santista,
tô queimado do sór da praia.
- Já que tu qué, ta bem.
Cumo vai, nego santista?
- Vô bem. Me viro na metrople
polista. Tô morando no Espranada. –
- Num diga, pela panca num parece. –
- Tô sim, tô lá debaixo da escada,
lado esqueldo de quem desce. –

Fiquei com dó do caboco.
Com essa garoa, tá loco.
Eu tenho coração mole:
Jesuino, a palti de hoje
tu te arrecole
nos meus aposento palticulá.
É só uma cama de sortero
num qualto de porão,
mas quem durmiu no moiado
vai se encontrá miorado.

E fumo vivendo em frente,
dois alegre cumpanhero
numa cama de sortero.
E vai e vem e vorta e coisa e loisa
um dia eu chego em casa
despereocupado da vida,
e dô cuma mulé descunhecida.
Mas Jesuino se espricou:
- Contraí matirimonio,
apresento minha senhora.
Amanhá nois vai simbora
assim que dé solução
No pobrema da abitação.

Amanhã num foro não.
E fumo vivendo em frente,
3 alegre cumpanhero
numa cama de sortero.

E vai e vem e vorta e coisa e loisa e maripoisa
um dia ela diz pra Jesuino:
- Menino, escuitei a voz do destino
meu coração não é mais teu,
é dele! – e apontou eu.
Jesuino ficô cinzento,
eu vi que ia dá em bestêra,
mas foi coisa de momento.
Nossa amizade é veldadera
E eu tenho a perna muito mais ligera.

Só disse: Num posso brigá contigo
só tu que foi meu amigo,
só tu que me deu abrigo
na metrópole polistana.
Vô simbora pra semana
assim que dé solução
no pobrema da abitação.

Pra semana num foi não.
E fumo vivendo em frente,
os 3 mesmo cumpanhero
numa cama de sortero.

E vai e vem e vorta
e coisa e loisa
e maripoisa,
um dia ela me diz:
- Se enganei com teu amô,
num era amô verdadero.
Amanhã vô simbora cum bombero! –

O gorpe foi duro pra catano,
mas a vida é essa, seu mano,
e hoje, naquele qualto de porão,
naquela cama de sortero,
mora Jesuino e eu,
mas a cabrocha e o bombero,
Oh probrema da abitação!!!


Dançando Na Chuva
Paulo Vanzolini

Quando chegar o fim
Mas o fim não vem
Queria te ver assim
Só que assim não tem
Chorarias por mim?
Chora não, meu bem.
No lugar em que eu estava
Bem na hora em que eu estava
Vai ver que não tem ninguém.
Você roeu toda a carne e chutou o osso
Você bebeu toda a água e cuspiu no poço
Fez deboche do meu verso
Diz que é frouxo e que é insosso
Fez tanta mesquinharia
E se orgulha do papel
Você dançou rindo na chuva
Mas não vai secar o céu.




Cara Limpa
Paulo Vanzolini

Já me acostumei
Já não ligo
Até exibo certa naturalidade
Amei, perdi, senti saudade
Roi osso muito duro
Arrastei bonde pesado
Hoje sou um homem mudado
Faço planos de futuro
E não penso mais no passado
Já me acostumei com o dia a dia
Em vez de vida inteira
Relógio em vez de retrato na cabeceira
Posso lhe dizer que olho pra ela
E nada sinto
Posso lhe dizer
Com a cara limpa enquanto minto
Posso lhe dizer



Capoeira do Arnaldo

Paulo Vanzolini

Quando eu vim da minha terra
Passei na enchente nadando
Passei frio, passei fome
Passei dez dias chorando
Por saber que de tua vida
Pra sempre estava passando
Nos passo desse calvário
Tinha ninguém me ajudando
Tava como um passarinho
Perdido fora do bando
Vamo-nos embora, ê ê
Vamo-nos embora, câmara
Presse mundo afora, ê ê
Presse mundo afora, câmara

Quando eu vim da minha terra
Veja o que eu deixei pra trás
Cinco noivas sem marido
Sete crianças sem pai
Doze santos sem milagre
Quinze suspiros sem ai
Trinta marido contente
Me perguntando "já vai?"
E o padre dizendo às beata
"Milagre custa, mas sai"

Vamo-nos embora, ê ê (...)

Quando eu vim da minha terra
Num sabia o que é sobrosso
Sabença de burro velho
Coragem de tigre moço
Oração de fechar corpo
Pendurada no pescoço
Rifle do papo-amarelo
Peixeira de cabo de osso
Medalha de Padre Ciço
E rosário de caroço
Pra me alisar pêlo fino
E arrepiar pêlo grosso
Que eu saí da minha terra
Sem cisma
Susto ou sobrosso

Vamo-nos embora, ê ê (...)

Quando eu vim da minha terra
Vim fazendo tropelia
Nos lugar onde eu passava
Estrada ficava vazia
Quem vinha vindo, voltava
Quem ia indo, não ia
Quem tinha negócio urgente
Deixava pro outro dia
Padre largava da missa
Onça largava da cria
E os pai de moça donzela
Mudava de freguesia
Mas tinha que fazer força
Porque as moça num queria

Eu sai da minha terra
Por ter sina viageira
Cum dois meses de viagem
Eu vivi uma vida inteira
Sai bravo, cheguei manso
Macho da mesma maneira
Estrada foi boa mestra
Me deu lição verdadeira
Coragem num tá no grito
E nem riqueza na algibeira
E os pecado de domingo
Quem paga é segunda-feira


Na Boca da Noite
Paulo Vanzolini

Cheguei na boca da noite, parti de madrugada
Eu não disse que ficava nem você perguntou nada
Na hora que eu ia indo, dormia tão descansada,
Respiração tão macia, morena nem parecia
Que a fronha estava molhada
Vi um rosto na janela, parei na beira da estrada
Cheguei na boca da noite, saí de madrugada
Gente da nossa estampa não pede juras nem faz,
Ama e passa, e não demonstra sua guerra, sua paz
Quando o galo me chamou,
eu parti sem olhar pra trás
Porque, morena, eu sabia, se olhasse,
não conseguia
Sair dali nunca mais
O vento vai pra onde quer, a água corre pro mar
Nuvem alta em mão de vento é o jeito da água
voltar
Morena, se acaso um dia tempestade te apanhar
Não foge da ventania, da chuva que rodopia,
Sou eu mesmo a te abraçar




Valsa das três da manhã
Paulo Vanzolini e Paulinho Nogueira

Eu não bebo pra esquecer,
Bebo pra lembrar.
Bebo e cambaleio
E tenho você ao meu lado
É o meu instante de felicidade.
Vou andando na neblina das ruas
Conversando com você
Cantigas da perdida felicidade.
Seu perfume se mistura
Ao cheiro bom da madrugada
Sua mão nem pesa no meu braço
Mas seu contato é doce, doce
E o rumor do seu passo
É música, é música pura.
Só não vejo você
Mas não faz mal.
Com você ao meu lado
Isso me basta
E lá vou eu andando na neblina, feliz,
Até cair.


Prova de carinho
Adoniran Barbosa

Com a corda mi
Do meu cavaquinho
Fiz uma aliança pra ela,
Prova de carinho.

Quantas serenatas
Eu tive que perder,
Pois o cavaquinho
Já não pode mais gemer.
Quanto sacrifício
Eu tive que fazer,
Para dar a prova pra ela
Do meu bem querer.


Samba do Arnesto

Adoniran Barbosa

O Arnesto nos convidou
pra um samba, ele mora no Brás
Nós fumos não encontremos ninguém
Nós voltermos com uma baita de uma reiva
Da outra vez nós num vai mais
Nós não semos tatu!
No outro dia encontremo com o Arnesto
Que pediu desculpas mais nós não aceitemos
Isso não se faz, Arnesto, nós não se importa
Mas você devia ter ponhado um recado na porta
Um recado assim ói:
"Ói, turma, num deu pra esperá
Aduvido que isso, num faz mar, num tem importância,
Assinado em cuspo porque não sei escrever
ARNESTO!"



Trem das Onze

Adoniran Barbosa

Não posso ficar nem mais um minuto com você S
into muito amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã,
Se eu perder esse trem
Que sai agora as onze horas
Só amanhã de manhã.

Além disso mulher
Tem outra coisa,
Minha mãe não dorme
Enquanto eu não chegar,
Sou filho único
Tenho minha casa para olhar
E eu não posso ficar.


Saudosa Maloca
Adoniran Barbosa

Si o senhor não tá lembrado
Dá licença de contá
Que aqui onde agora está
Esse edifício arto
Era uma casa véia
Um palacete assobradado
Foi aqui seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construimos nossa maloca
Mais, um dianois nem pode se alembrá
Veio os home cas ferramentas
O dono mandô derrubá
Peguemos tudo as nossas coisa
E fumos pro meio da rua
Preciá a demolição
Que tristeza que nóis sentia
Cada táuba que caía
Duia no coração
Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
Os homi tá cá razão
Nós arranja outro lugá
Só se conformemos quando o Joca falou:
"Deus dá o frio conforme o cobertô"
E hoje nóis pega a páia nas grama do jardim
E prá esquecê nóis cantemos assim:
Saudosa maloca, maloca querida,
Que dim donde nóis passemos dias feliz de nossa vida